05.  ╱ irmãos hargreeves.

HAVIA ALGO CONFLITUOSO ENTERRADO NO PEITO DOS IRMÃOS HARGREEVES. Caminhando de um lado para o outro, Nia, Diego e Cinco estavam inquietos, andando de um lado para o outro, como se pudessem desgastar o chão sob seus pés. O que tinham visto nas fitas de Hazel não fazia sentido. Não podia ser real, e se fosse, como explicar? Era o tipo de coisa que podia fritar cérebros.

Reginald Hargreeves sempre foi apenas um mero filantropo de jeito estranho, que tinha adotado sete crianças extraordinárias e fundado a Umbrella Academy. Nada além disto. Mesmo que tampouco ele fosse presente em sua vida e as palavras amargas e duras não desaparecessem tão rápidas quanto ele, a ideia de que Reginald poderia estar envolvido no assassinato de JFK... Era loucura, certo? Mas o que os corroía ainda mais era o fato de que ele parecia não envelhecer. Mais de cinquenta anos, e ainda a mesma expressão fria e impiedosa.

Nia deixou-se cair no sofá ao lado de Diego, soltando um suspiro pesado, o cabelo curto bagunçado pela frustração. Diego, o Número Dois, estava igualmente inquieto, mas tentou acalmá-la com um toque leve, um gesto de conforto que ela aceitou com um meio sorriso, antes de olhar para Cinco, que continuava a andar de um lado para o outro, os olhos focados em algum ponto distante, tentando, em vão, fazer sentido de tudo aquilo.

Quatro dias. Quatro malditos dias, e Reginald havia conseguido desestabilizá-los mais uma vez.

― Cinco? ― Nia sussurrou, tentando chamar a atenção do mais jovem. ― Vai acabar abrindo um buraco no chão.

― Ele não dá a mínima pro que temos a dizer ― Diego murmurou, recostando-se no sofá. ― Não sei em que merda ele nos meteu dessa vez, mas parece pior do que antes.

― Descobrir que Reginald anda perambulando pelo tempo, supostamente tentando assassinato um presidente, é uma grande confusão, que não faço ideia de onde nos leva. ― Nia disse, a voz carregada de sarcasmo e exasperação. ― Vocês têm ideia da idade real do nosso querido pai?

― Deve ter uns... 60 anos? ― Diego sugeriu, lançando um olhar para Cinco, que finalmente parou de andar e ponderou.

― No máximo, 65 anos ― Cinco respondeu, mas havia dúvida em sua voz.

― Ótimo! ― Nia rebateu, a frustração crescendo dentro dela. ― Se ele tem 65 agora, em 1963 ele deveria ter o quê, 10 anos? ― Ela deu um sorriso amargo. ― A menos que ele sofra de Benjamin Button.

― Papai sempre teve essa cara de velho rabugento ― Diego retrucou. ― Eu lembraria se ele tivesse sido uma criança.

― Então só resta uma possibilidade ― Nia murmurou, seu olhar passando de Diego para Cinco. ― Reginald pode realmente estar viajando no tempo. Não seria tão estranho, certo? Você e eu fazemos isso.

― É uma real possibilidade ― Cinco admitiu, pensativo.

― Isso parece loucura ― Diego resmungou, esfregando o rosto com as mãos antes de soltar um suspiro cansado. ― Eu deveria ter suspeitado. Papai envolvido na morte de Kennedy? Faz sentido.

― Espera aí! ― Nia franziu o cenho, pousando a mão sobre o peito de Diego, que a olhou com seriedade. ― Viajar no tempo é loucura, mas assassinar o Kennedy não é?

― Não faz sentido pra vocês?

― É uma conclusão precipitada, Número Dois. ― Ela bateu no ombro dele com suavidade, voltando a se recostar. ― Além disso, o que mudaria na vida dele se o Kennedy fosse morto ou não?

― Isso não explica por que ele estava lá naquele momento exato ― Diego rebateu, afastando o cabelo de Nia do rosto e a observando. ― Segurando um guarda-chuva preto num dia de sol em Dallas, segundos após o presidente ser baleado.

Nia sentia uma mistura confusa de repulsa e atração pelo toque de Diego. Seus dedos ásperos contra sua pele, normalmente desconfortáveis, agora carregavam uma ternura que a fazia encará-lo com novos olhos. Talvez fosse o charme à la Antonio Banderas, ou a admiração que sentia desde a infância. E Diego... bem, talvez ele apenas fosse atraído por ela porque Nia representava tudo o que ele detestava: uma mulher capaz de fazê-lo de idiota.

Ela suspirou novamente, resignada.

― Não é um bom sinal, admito.

― Na verdade, ele deu sinal para a coisa toda ― Diego murmurou, o olhar fixo na imagem congelada de Reginald na tela. ― Eu sempre disse que não podíamos confiar nele.

― Não pode ser tão ruim assim, certo? ― Nia perguntou, seus irmãos a observando atentamente. ― Talvez tenha sido só uma coincidência... tipo, qual a probabilidade de Reginald estar realmente envolvido nisso?

― Uns oitenta por cento ― disseram Diego e Cinco em uníssono, seus olhares fixos em Nia, que balançou a cabeça, repensando o que acabara de dizer.

― Então, por que ele mataria o presidente? Isso não mudou nada no futuro, certo? O cara morreu, e a gente continuou sendo ratos de laboratório, como sempre. Com a exceção do Ben, que está morto, do Cinco, que se perdeu no tempo, e de mim, que fui abandonada. ― Ela trocou olhares com os irmãos, que suspiraram, sentindo o peso daquelas palavras. ― Não estou dizendo que a ideia maluca do Dois seja completamente inviável, mas se é isso que ele está pensando, não há razão pra impedir a morte de Kennedy.

― Não podemos mudar a linha do tempo ― Cinco respondeu, seu tom de voz pingando sarcasmo. ― Olha só a maravilha que já fizemos, e aqui estamos.

― Não, faz sentido ― Diego murmurou, como se estivesse juntando as peças de um quebra-cabeça invisível. ― É isso que Hazel estava tentando nos dizer. Precisamos impedir o Papai de matar o presidente.

― Calma lá, Número Dois, não é assim que resolvemos as coisas por aqui. ― Nia colocou as mãos sobre os ombros de Diego, prendendo o olhar dele ao seu. ― Sabe, eu acho que não devemos mexer em nada que não seja do nosso tempo, a menos que você queira nos matar antes da hora.

O sorriso de Nia era forçado, e Diego suspirou, descontente. Afastando-se, ela pegou um cookie do balcão e deu uma mordida, seus olhos fixos em Cinco, que os observava com uma desconfiança incômoda.

― Diego, vai com calma, tá bem? Papai não era nenhum santo, mas assassinato presidencial? Isso não parece com ele ― Cinco disse, sua testa franzida em dúvida. Nia assentiu, concordando em silêncio. Aquilo era loucura, até para os Hargreeves.

― Como você sabe? ― Diego murmurou, provocativo. ― Você pulou fora nos tempos áureos dele.

Nia ergueu as sobrancelhas, observando o olhar indignado que Número Cinco lançou ao irmão. Ele engoliu em seco, e um sorriso irônico dançou em seus lábios enquanto estalava os dedos mais uma vez. Ela apenas se recostou no sofá calmamente, e mordiscou o cookie.

― Se vão brigar, tentem não quebrar nada do Elliott ― Nia murmurou, fitando-os. ― Minhas notas tailandesas não valem muito por aqui.

― Pulei fora? Acha que foi fácil, Diego? ― Cinco explodiu, ofendido. ― Eu fiquei sozinho por 45 anos! Mas quer saber? Não temos tempo pra isso agora. Nosso pai tá em Dallas, certo? Vamos falar com ele. Talvez ele nos ajude a consertar a linha do tempo.

― Dallas é grande. Precisamos achá-lo primeiro. ― Diego encarou Cinco, depois se voltou para Nia, agarrando suas mãos, que ela olhou sem entender. ― Dá pra parar de estalar os dedos como o Cinco?

― É involuntário. ― Nia desfez-se do toque de Diego. ― E não segure minhas mãos novamente.

― Então não volte a fazer isso. ― Diego replicou, sério. Suspirando enquanto cruzava os braços diante o peito, ele observou-os. ― E agora, por onde começamos?

― Se ao menos tivéssemos um jeito mágico, bem da antiga, de achar pessoas e endereços... ― Cinco disse com cinismo, olhando para os dois. ― Sabe, tipo uma lista telefônica.

Nia se levantou do balcão, os saltos de suas botas ecoando pelo piso. Com um suspiro, começou a andar até a estante, seus dedos traçando o caminho por entre os livros de Elliott.

― Eu sei onde está.

Ela sabia que já tinha visto a lista telefônica por ali antes; era o tipo de detalhe que sempre reparava. Nia esticou-se na ponta dos pés, os dedos se estendendo até alcançar a lista que estava escondida entre os volumes empoeirados. Tirando-a com cuidado, ela soprou a poeira restante, revelando a capa.

Do bolso, Nia tirou um pacote de chicletes, colocando um na boca. Pensar em Reginald e em tudo o que ele poderia ter feito sempre trazia uma dor de cabeça latejante. Mastigar chiclete era sua maneira de evitar se afundar nos pensamentos sobre o passado doloroso. Concentrou-se apenas no sabor doce que a ajudava a manter o foco.

Voltando para a sala, ela entregou a lista a Diego, que também a assoprou antes de colocá-la sobre a mesa. As palavras "Dallas e Imediações - Lista Telefônica" estavam claramente impressas na capa.

― Vamos pelo básico.... ― Cinco sugeriu. ― O nome dele.

― O básico? ― Nia questionou, atraindo o olhar de Cinco enquanto Diego folheava as páginas. ― Deve haver milhares de Reginald Hargreeves no mundo.

― Merda! ― Diego exclamou de repente. ― Nada aqui.

― Ou talvez eu esteja errada, e não exista nenhum. ― Nia sorriu de modo sem graça, o que fez os dois irmãos soltarem um riso breve.

― Tente a empresa dele ― Cinco sugeriu novamente, cruzando os braços enquanto observava Diego. ― D.S. UMBRELLA MANUFACTURING.

― É, eu sei o nome. ― Diego respondeu, sem tirar os olhos da lista, arrancando um riso de Nia. Ele folheou mais algumas páginas antes de encontrar o que procurava.

Diego folheava as páginas da lista telefônica com a mesma intensidade de sempre, e Nia o acompanhava, seus olhos rastreando cada nome que ele passava. Na cabeça dela, uma pergunta ecoava: o que diabos Hargreeves tinha em mente ao escolher essas pessoas? Mas a verdade, cruel e simples, era que ele sabia exatamente como usar aqueles que foram adotados. Mesmo Nia, que nunca se considerou parte dessa família, conhecia bem a disfunção que reinava sempre que estavam juntos.

― Puta merda! ― praguejou Diego, atraindo a atenção dos outros dois. Cinco e Nia saíram de seus devaneios e se aproximaram, seus olhares fixos na lista que Diego segurava. ― D.S UMBRELLA. Rua Olive, 82. Vamos!

― Acredito que tenhamos que ser cautelosos, não sabemos se o Reginald dessa época nos conhece, por isso acho melhor nos prepararmos ― disse Nia, com uma calma que parecia irritar Cinco, que revirou os olhos e se apoiou no sofá, enquanto Diego soltava um suspiro. ― Não vou demorar.

Ela se retirou para o mesmo cômodo onde os outros estavam, mas a situação era diferente agora. Nia se sentou no sofá com sua maleta no colo, deslizando o dedo sobre o sensor para destravá-la. A primeira coisa que viu foi seu leque azul, com lâminas afiadas escondidas nas junções. Passou o dedo pelas pontas com cuidado, antes de fechá-lo e prendê-lo em sua roupa. Do fundo da casa, o murmúrio de Elliott vinha da cozinha.

― Vai deixá-lo assim? ― a voz de Diego ecoou pelo cômodo, fazendo Nia esboçar um sorriso irônico enquanto selecionava suas facas e outros artefatos.

― Ele está bem ― respondeu ela, sem desviar o olhar de sua preparação.

Cinco, observando-a, notou o modo como uma mecha de seu cabelo caía sobre seu rosto e sorriu de lado, meio sem jeito.

― E quanto à sua garota? ― perguntou ele à Diego.

As palavras de Cinco fizeram Nia pausar, uma faca girando suavemente entre seus dedos. Diego, que havia se virado para ouvir o que Elliott dizia, soltou um suspiro e encarou o mais jovem.

― Merda! ― exclamou, antes de se apressar para a cozinha, deixando os outros dois trocando olhares cansados.

Cinco permaneceu de pé, enquanto Nia trancava sua maleta e a escondia. Passou a mão pelos cabelos curtos e pegou um cookie da mesa, mastigando em silêncio.

― Você acha que ele vai tentar nos matar? ― Cinco soltou a pergunta com um tom inseguro que a fez arquear uma sobrancelha. ― Anda com tantas facas que eu começo a achar que quem precisa se defender são os bandidos.

― Reginald já tentou me matar uma vez. Não duvido que tentaria de novo, mesmo sem saber quem eu sou agora ― respondeu Nia, desinteressada, olhando pela janela. ― E quanto às facas, meus poderes exigem que eu esteja sempre preparada.

― E o que exatamente você faz? ― Cinco a questionou, seu olhar penetrante. ― Além daquela coisa de mudar a cor do cabelo sem perceber.

― Isso é só falta de controle ― Nia explicou, puxando uma faca do bolso. ― Quando perco o controle, minhas habilidades tomam conta de mim, então a cor do meu cabelo mudar pode significar que meus poderes estão tentando me matar também. Agora, preste atenção.

Nia segurou a faca com ambas as mãos, mas não fez movimentos bruscos. Em um gesto suave, ela simplesmente puxou a lâmina com a outra mão, duplicando-a. As duas facas giraram em seus dedos antes de serem lançadas contra a parede, perfurando o papel de parede com precisão.

― Você... multiplicou? ― Cinco perguntou, surpreso.

― Exatamente. ― Nia se aproximou da parede, arrancando as lâminas. Uma delas desapareceu em sua mão, a duplicata. ― Multiplico meus próprios objetos. E antes que pergunte, sim, eu poderia usar só uma e multiplicá-la várias vezes. Mas se a duplicata conseguir ferir alguém, ela desaparece ou quebra. Às vezes, até a original sofre as consequências.

― Interessante ― Cinco disse, com um sorriso desafiador. ― E o que você faz sem as facas?

― Você teria que tentar me matar pra descobrir ― murmurou Nia, lançando um olhar ao relógio na parede e suspirando. ― Vou procurar Diego. Fique aqui!

Nia observou Cinco acenar antes de se afastar, seus passos se suavizando conforme avançava pelos corredores. O som das botas sobre o piso diminuía gradualmente, quase como se ela fosse uma sombra. Enquanto ajeitava seus cabelos negros, seus olhos vasculhavam cada porta à procura de Número Dois, até que sussurros vindos de uma porta aberta no fim do corredor a chamaram a atenção.

Aproximando-se com a leveza de um fantasma, ela se encostou no batente da porta, sem ainda espiar para dentro, e suspirou.

― Diego, precisamos ir ― disse, sua voz firme.

Ela espiou o interior da sala enquanto ele se erguia de um balcão, o lugar uma vez usado como um armário, mas que Elliott havia transformado em um estúdio improvisado para revelar fotos. Número Dois se levantou, caminhando até a porta, os olhos passando de Nia para Lila, que o observava de modo triste.

― Vou deixar você com o Elliott, certo? ― Diego disse, inclinando-se ligeiramente para Lila, que estava sentada sobre as prateleiras do armário.

― Por quê? ― Lila perguntou, o tom carregado de decepção.

― Tenho um lance de família ― ele respondeu, suspirando no final, enquanto a olhava com uma mistura de culpa e resignação.

Diego fechou a porta lentamente, os olhos caindo sobre as facas de Nia, que estavam bem guardadas em seus coldres. Com um movimento cuidadoso, ele puxou uma das lâminas, observando o brilho do aço cromado. Um sorriso discreto curvou seus lábios enquanto balançava a faca, examinando-a. Nia o fitava com seriedade, e, sem dizer uma palavra, Diego levou a mão ao canto dos lábios dela, usando o polegar para limpar algo.

Nia franziu a testa, surpresa pelo gesto inesperado.

― Tinha um pouco de chocolate dos cookies ― disse ele, explicando o toque. Nia esboçou um sorriso e começou a caminhar ao lado dele, seus passos sincronizados.

― Era só ter dito ― ela respondeu com um sorriso duro, observando-o acenar enquanto olhava para o chão. Mais à frente, Cinco descia as escadas, e ambos o seguiram. ― Se algo der errado, minhas facas também são suas, exceto aquela com meu nome.

― Acho que não vamos precisar lutar. ― Diego riu, ainda segurando a faca cromada. Ele olhou para Nia, que o encarou, confusa. ― Cinco nunca me disse quais são suas habilidades.

― Tenho três que, na verdade, não são minhas, mas de vocês ― ela começou, vendo que Diego agora prestava total atenção. ― Eu tenho as suas habilidades, as do Número Quatro e as do Cinco, mas aprimoradas. Já expliquei isso para o seu irmão, mas acho que ele ignorou certa parte.

― As minhas, as do Klaus e as do Cinco? ― Diego perguntou, surpreso.

― Sim, Reginald dizia que eram as mais conflituosas. Ele me forçava a ficar acordada noites inteiras, escrevendo sobre o que vocês pensavam. ― Nia explicou, saindo da loja de Elliott e observando o carro mais a frente até onde Cinco caminhava. ― Mas agora, a minha maior habilidade é a manipulação da realidade e das probabilidades.

― Como você sabe que não foi você que criou essa realidade e nos colocou aqui? ― Cinco questionou.

― Pode ter certeza que eu saberia se tivesse feito isso. E seria da pior forma possível ― ela respondeu, entrando na parte de trás do carro e olhando para os dois à sua frente. ― Alguém trouxe comida?

― Aqui. Pega! ― Diego respondeu, jogando um bolinho de morango e baunilha para Nia, que sorriu enquanto o pegava.

Número Zero e Dois caminharam lado a lado pela calçada, o silêncio que pairou entre eles fora preenchido pelo som dos carros passando pela avenida e o murmúrio das pessoas à sua volta, que sussurravam de suas aparências completamente deslocadas do tempo. Diego observou Nia de canto de olho, notando o jeito como o cabelo dela balançava suavemente com a brisa e ela lutava para mantê-lo no lugar.

― Sabe, você parece tranquila demais pra alguém que carrega tantas facas ― Diego comentou, um sorriso brincando em seus lábios.

― E você parece confiante demais pra alguém que sempre acaba tomando a dianteira sem pensar ― Nia rebateu, seu tom cheio de ironia, mas com um brilho de diversão nos olhos.

Diego soltou uma risada baixa, sacudindo a cabeça.

― Talvez eu tenha mais sorte do que imagino ― ele disse, voltando a encará-la, a sugestão em sua voz clara.

Nia parou por um segundo, virando-se para ele. Um sorriso discreto se formou em seus lábios enquanto ela cruzava os braços.

― Ou talvez seja porque você tem alguém que sabe lidar com a sua teimosia ― retrucou, seus olhos fixos nos dele.

Diego deu um passo para mais perto, diminuindo a distância entre eles. Seus olhos desceram para as facas que ela carregava, e então voltaram a encontrar os dela.

― Eu deveria estar preocupado por te irritar, não é? ― ele perguntou, a voz carregada de provocação e interesse.

― Talvez ― Nia respondeu, inclinando-se ligeiramente em sua direção, suas palavras quase um sussurro. ― Mas se você estiver disposto a correr o risco, quem sabe o que pode acontecer.

― Eu sou todo sobre correr riscos, Nia. A questão é: você consegue me acompanhar?

Nia soltou uma risada suave, dando um passo para trás, mas mantendo os olhos fixos nele.

― Acho que a pergunta certa é: você consegue me acompanhar, Número Dois?

Ele a observou por um momento, o desafio claro no ar entre eles. Depois, com um sorriso que não conseguiu esconder, ele assentiu.

― Vamos descobrir.

Despertando com um tranco súbito, Nia abriu os olhos, o coração acelerado enquanto o carro desacelerava, trazendo-a de volta ao mundo real. O mundo ao seu redor parecia borrado e estranho, como se ela tivesse cruzado para uma dimensão ligeiramente deslocada enquanto dormia. Endireitando-se no assento, ela soltou um longo bocejo, tentando afastar o torpor que ainda a envolvia. Seus olhos deslizaram para Número Dois e Número Cinco, que estavam fixados em algo lá fora. Seguindo o olhar deles, ela viu o que os prendia: um edifício , pintado com uma cor gelo que parecia quase hostil sob a luz cinzenta do dia.

―  Chegamos! ― Cinco anunciou com uma voz que cortou o silêncio, já abrindo a porta e saltando para fora, como se não pudesse esperar nem um segundo a mais.

― Vamos, Kitana! ― Diego disse, puxando a porta do carro. Nia agarrou sua camisa, obrigando-o a encará-la.

― Tenho um nome, e se ninguém te ensinou a usá-lo, Zero já serve. ― Ela sorriu, uma pontada de sarcasmo escondida no canto dos lábios, antes de abrir a porta e sair. ― Obrigada!

O ar lá fora era carregado de uma quietude desconcertante. Jittatad se espreguiçou, sentindo o peso da estrada vazia que levava até o edifício, como um caminho para lugar nenhum.

― D.S UMBRELLA. ― Diego murmurou, as palavras quase se dissipando no vento. ― É aqui.

Lado a lado, eles se aproximaram da entrada, Nia escaneando cada canto, cada sombra. Tudo parecia inerte, como se o lugar estivesse à beira do esquecimento. Uma sensação de abandono pairava no ar, mas havia algo mais, algo escondido nas rachaduras e no silêncio. Ela olhou por cima do ombro e viu Cinco examinando uma placa fixada na parede.

Rua Olive, 82
D.S Umbrella Manufacturing Company.

― Tudo bem? ― Diego perguntou, as mãos enfiadas nos bolsos, a preocupação sutil em sua voz. ― Você pareceu estranho por um momen...

― Sim, estou bem. ― Cinco interromepu, aproximando-se da porta de vidro onde Nia estava encostada. ― Só que...

Número Dois lançou um olhar para a fechadura, tirando uma faca do bolso. Nia a reconheceu de imediato, o brilho frio do metal que ela própria lhe entregara no manicômio Holbrook, agora de volta às suas mãos, como se nunca tivesse partido.

― Há quanto tempo você não vê o velho? ― indagou Diego que agachou-se diante a fechadura, espreitando sutilmente Nia e Cinco, que já estavam impacientes vendo seu plano de tentar abrir a porta com a faca.

― Se contarmos desde a última vez que o vi, quando Ben morreu, bem... é um tempo considerável ― Nia respondeu com um suspiro cansado, os olhos fixos na luta de Diego contra a fechadura. ― Mas, não tanto tempo quanto Cinco.

― Pois é, dá para considerar como um bom tempo ― Cinco concordou, seu tom carregado de uma ironia amarga enquanto observava Diego se debatendo com a faca.

― Eu esperei por você, cada segundo, cada ano, uma eternidade quase. Tentava te encontrar em algum lugar do vazio temporal, usando o que Reginald me ensinou. Mas, na verdade, eu não tinha um controle real sobre o tempo naquela época ― murmurou Nia, observando Cinco, que a encarou com interesse. ― Aos poucos, fui me tornando inútil para ele, incapaz de ajudar como deveria.

― Ah, não me diga ― ironizou Cinco, arrancando um riso nervoso de Nia, que revirou os olhos e lhe deu um leve empurrão. ― Olha, quando eu estava preso no apocalipse... ― O mais jovem observou Diego, que lutava para abrir a porta com a ponta da faca enquanto continuava: ― Não houve um único dia em que a voz dele não ecoasse na minha cabeça.

― E o que ele dizia? ― perguntou Número Dois, curioso.

― "Eu te avisei." ― respondeu Cinco.

― Bem, se o papai estiver por aqui, ele nunca o viu antes... Então não vai ter como soltar um "eu te avisei." ― Dois provocou, arrancando uma risada da Nia.

― Ele sempre vai arranjar um jeito, não se engane. Sentimentalismo e empatia nunca foi o forte dele com os filhos ― concluiu a tailandesa.

― Ela está certa ― afirmou Cinco, direcionando um sorriso sem graça à ela.

Enquanto ambos observavam Diego se contorcendo em esforço para abrir a porta, Cinco e Zero trocaram um olhar cúmplice, e a garota assentiu com um leve sorriso. Número Cinco se teletransportou para dentro, destrancando a porta com um movimento elegante que fez o sorriso de Nia se expandir na direção de Dois.

― Certo... ― disse Diego, levantando-se e encarando os dois. ― Eu havia me esquecido disso.

Ao entrarem juntos, a escuridão úmida do lugar fez Nia fungar, sentindo a poeira no ar. A luz atrás de si piscou, chamando a atenção de todos para Cinco, que acabara de ligar um abajur. A recepção quase vazia revelou-se em um lampejo, mas a luz piscou e se apagou, fazendo os três olharem para trás.

― Eu, hein ― Cinco proferiu com indiferença.

― O papai não era muito de decoração ― Diego comentou, seu olhar se perdendo na penumbra. ― Pela nossa casa já dava para notar. Ele era inimigo da luz tanto quanto o Batman.

― Mórbido como sempre ― Nia murmurou, observando os móveis encostados na parede. ― Ele pelo menos os colocaram em uma casa, não em um bunker.

Cinco e Diego trocaram um olhar, o estranhamento se desenhando claramente em seus rostos. A luz piscou novamente, como se refletissem a confusão deles. Antes que Nia desse mais um passo, Cinco a segurou pelo braço, o cenho franzindo-se

― Espera, o que você quer dizer com isso? ― ele perguntou, extremamente confuso.

― É só uma observação ― Nia respondeu, levantando uma sobrancelha, como se a resposta fosse óbvia. ― Eu fui colocada em um bunker desde que ele me encontrou. ― Ela se desfez do toque de Cinco e caminhou olhando em volta. ― Reginald dizia que eu era assustadora, perigosa... nunca entendi exatamente o porquê dele ser tão cauteloso em relação a mim quando a Vanya consegue ter mais poder do que qualquer um de nós.

Diego franziu a testa, lançando um olhar carregado de dúvida para Cinco, que, com os olhos semicerrados, começava a analisar o cenário com um olhar calculista. Ele passou a mão pelas almofadas de um sofá e soltou um suspiro que parecia carregar a mesma poeira que cobria o lugar.

― Parece uma empresa de fachada ― disse Cinco, a voz carregada com uma nota de ceticismo.

― Fachada pra quê? ― Diego perguntou, seus olhos vasculhando o espaço, tentando encontrar alguma resposta entre as sombras e a poeira do local.

― Eu não sei... ― o mais novo respondeu. Ele continuou observando o ambiente, como se esperasse que as paredes falassem. ― O que será que é?

― Aposto que não é uma loja de guarda-chuvas ― Nia comentou, deslizando a ponta do dedo pelo balcão da recepção e observando o pó que se acumulava. ― Ele era rico. Qual era o problema em contratar alguém para limpar isso?

Diante das duas portas sem qualquer informação, os três pararam, os olhares se cruzando na indecisão do próximo passo.

― Vou pela esquerda ― Diego disse, enquanto Cinco seguia para o lado direito. ― E qualquer coisa, gritem.

O som das portas se fechando ecoou no espaço, e Nia se viu sozinha, o ambiente parecia murmurar em um tom baixo. Olhando para cima, ela se aproximou do balcão, onde um brilho de poeira dançava no ar. Uma das portas se abriu, chamando sua atenção.

― Vem! ― Diego disse, abrindo a porta, um sorriso de lado no rosto. ― Pensei que você estava aqui para salvar o mundo, não para ficar vigiando portas.

― Eu salvo o mundo, mas só quando sei o que estou fazendo. ― Nia riu junto com Diego. ― Por enquanto, vou ficar de olho nas portas.

Diego sinalizou para Nia, um gesto que fez com que ela franzisse a testa. Ele apontou para uma porta entreaberta no corredor. Jittatad retirou uma das facas do bolso e a apoiou contra o batente, os olhos fixos em Diego. Ele fez um sinal discreto e, com cuidado, abriram a porta. A escuridão engolia o ambiente, e Nia suspirou aliviada ao olhar ao redor, tentando discernir algo na penumbra. Percebeu que era um escritório.

Diego acendeu a luz do abajur, que iluminou o espaço em que estavam.

― Se havia alguém aqui, já deve ter ido embora enquanto você e Cinco conversavam. ― Diego observou ao redor, sua atenção voltada para uma mesa empoeirada com uma pasta em cima. ― Não assopre!

Mas, como se desafiando a advertência, Nia assoprou o pó da pasta, que se espalhou pelo ar como uma nuvem fantasmagórica. Diego balançou as mãos em desespero, seu nariz coçando, e ele abriu a boca lentamente, sabendo que um espirro estava à espreita. Número Zero se aproximou, colocando o dedo sob o nariz de Dois com um olhar concentrado, descendo seu olhar lentamente para os lábios dele.

― Tente não fazer barulho ― murmurou, ela ergueu os olhos encontrando os dele.

Nia sentiu o calor da proximidade de Diego como uma eletricidade que percorreu sua pele, suas respirações se fundindo em um compasso inquietante. Ele inclinou-se lentamente, seu rosto cada vez mais próximo do dela. Seus lábios estavam a um suspiro de distância, e ele podia sentir a suavidade dos lábios de Nia em cada batida do seu coração.

Mas antes que pudesse acontecer algo, Nia deu um pequeno passo para trás, seu olhar desviando para o lado em busca de mais coisas no cômodo. Seus olhos encontraram os de Diego brevemente. Ele ficou ali, estático, seus lábios a um fio de beijar, mas agora tocando apenas o vazio. Ele a assistiu se afastar e, com um suspiro, foi até a pasta, folheando-a em busca de informações, mas encontrou apenas folhas em branco.

Um barulho vindo dos corredores fez com que Número Zero olhasse na direção da porta, trocando olhares com Dois. Seguindo rapidamente até o som, Nia parou atrás de Diego, observando a porta fechar lentamente.

― Acha que pode ser ele? ― perguntou com um tom suave, quase inaudível.

― Só podemos descobrir de um jeito ― respondeu Diego.

A porta se abriu com um rangido baixo, e lá estavam eles, hesitantes, Nia um passo atrás de Diego. Ela mantinha um olhar atento, seus olhos lançando olhares furtivos para os corredores como se esperasse algo a qualquer momento. Uma nuvem de fumaça serpenteava do estacionamento nos fundos. Na escuridão, uma silhueta, envolta em um chapéu e um sobretudo, se movia com uma calma ameaçadora em direção à entrada. Em direção à eles.

Apressando o passo, eles atravessaram a densa cortina de fumaça que parecia engolir o mundo ao redor. Quando caminharam para um galpão vazio até a silhueta que desapareceu de repente, seus olhares se encontraram. Nia, com as costas viradas para Diego, estava em busca de qualquer pista ou sinal. Mas antes que pudesse voltar a atenção para Número Dois, um soco brutal a atingiu, derrubando-a ao chão e fazendo sua pele arder.

― Filho da... ― Nia murmurou, o sangue escorrendo pelo nariz, a dor misturada com um ódio crescente.

Ela ergueu os olhos vendo Diego desviar para enfrentar o ataque, apenas para ser atingido por um chute violento no abdômen, fazendo-o se afastar com uma expressão de choque e dor. Zero ergueu-se com seus olhos fixos na silhueta desconhecida que se aproximava de Diego novamente. Limpando o sangue do nariz com a manga da blusa, ele desembainhou o leque azul, suas lâminas reluzindo ameaçadoramente enquanto se multiplicavam.

Diego, com um olhar de frustração, lançou uma faca em direção à silhueta, mas o movimento foi ágil demais para ser capturado; a faca desviou e atingiu um pilar atrás da silhueta, o som do metal ressoando como uma nota discordante. Nia, mordendo o lábio com indignação, observou a cena, seu olhar se fixando em Diego.

― Impressionante... ― murmurou ela como se estivesse provocando a própria adversidade. ― Mas ainda tem muito o que melhorar.

Zero avançou com seu leque em punho, deslizando para o enfrenta-lo. A silhueta à sua frente parecia tentar se erguer contra ele. Em um movimento quase dançante, Nia girou seus leques com uma habilidade jamais vista, cada lâmina de aço cortante, desviando-se dos ataques com uma graça sinistra. Com uma leveza que o próprio Reginald havia a ensinado.

Seu punho esquerdo encontrou o alvo, mas não sem um preço. Sentiu o impacto doloroso no abdômen, um gosto metálico de ferro nos lábios enquanto era arremessada na direção de Diego. O momento virou um turbilhão; Diego, com suas mãos ágeis, capturou Zero e a puxou para frente, revelando as quatro facas que ele retirara do bolso dela. Nia esboçou um sorriso sutil ao sentir uma das mãos dele apertarem sua cintura enquanto se afastava, com as respirações entrelaçando-se.

Dois desferiu uma série de chutes e socos, facas cintilando entre seus dedos. Zero, com o leque agora retornando às suas mãos com habilidade contornou o confronto, lançando o leque direto à silhueta que havia recebido uma lacerante saudação de lâminas, controlou-as com seus poderes, sentindo o peso delas ao perfurar a pele brutalmente.

Enquanto se aproximava, Zero agarrou o braço do inimigo, puxando-o para trás, suas ações quase uma dança fatal. Diego, caído no chão, assistia com um olhar aflito, um fluxo de sangue escorrendo do seu nariz. Com um rugido de raiva, Nia sacou uma lâmina e cravou-o no braço do desconhecido, seu olhar frio e pesando sobre ele. O leque se ergueu novamente, pronto para matá-lo.

― Você é bom, mas não o suficiente ― Zero murmurou, a respiração pesada, antes de ser brutalmente arremessada ao chão. O impacto contra a pilastra fez seu corpo gritar em dor, um grunhido escapando de seus lábios. ― Desgraçado!

Diego, com uma barra de ferro em mãos, pulou sobre a silhueta, seu ataque fazendo o oponente se ajoelhar. O olhar de Nia, agora fixo, se esforçava para recuperar seu leque do chão. A visão de Número Dois lutando desesperadamente, enquanto a realidade se desfazia, levou um choque a Zero.

― Pai...? ― Diego indagou, o medo evidente em sua voz. Nia, com um olhar confuso, percebeu quem estava realmente ali – um rosto familiar, surgido das sombras.

Empurrando Diego para o lado, Nia sentiu as lâminas do leque e das facas penetrando seu abdômen. O sangue começou a escorrer, quente e inescapável. Ela passou a mão pelo próprio sangue, sentindo a presença de Diego se aproximar. Mas antes que pudesse intervir, Reginald arrancou um dos facas do leque dela e cravou-a ainda mais fundo no abdômen de Número Dois.

Nia com as mãos trêmulas e o corpo dilacerado pelas lâminas de seu próprio leque, caiu para trás, seus olhos fixos em Reginald , que aprofundava as lâminas em sua carne com um prazer que não reconhecia. O sangue manchava sua boca, e ela direcionou seu olhar para Diego, que, com a mesma crueldade, Reginald o golpeava no abdômen com uma faca.

― Amador... ― a voz do pai rasgou o silêncio, um sussurro de desprezo dirigido a Diego. Seu olhar se voltou para Nia, que tentava desesperadamente controlar as facas no suporte para se defender. Reginald empurrou-a, lançando-o ao chão com um desprezo frio. ― Você ainda é um desperdício.

― Mas ainda te assusto, não é? ―  Nia murmurou, engasgando com seu próprio sangue enquanto sorria. A verdade amarga de suas palavras era uma última chama de provoca-lo. ― É por isso que você está indo embora, porque sabe que não pode me controla!

Reginald virou as costas e deixou os filhos caídos no chão, seus corpos sangrando por todos os ferimentos. O sangue escorria em vermelho vivo, manchando o piso e se misturando. Nia olhou para Diego ao seu lado, sentindo a garganta apertada pelo sangue que ameaçava sufocá-la. Enquanto ele lutava para extrair a faca do próprio abdômen, ela soltou um suspiro rasgado e, com um impulso desesperado dos poderes, arrancou as lâminas de seus corpos e as lançou para longe, como se quisesse apagar a dor com um gesto furioso.

Um grunhido cru e primal rasgou sua garganta, e ela apertou a mão de Diego com uma força que nem sabia ser capaz de possuir. Ele retribuiu o aperto, e a visão de Nia estava turva, o contorno do pai se desfazendo na neblina enquanto ele se afastava, deixando-os para trás.

― Eu vou te matar! ― a voz de Nia, carregada de uma fúria irreconhecível, cortou o ar e fez Reginald hesitar, como se finalmente tivesse sentido o peso de suas ações. As lágrimas escorriam pelo canto dos olhos de Jittatad, misturadas com a fúria que queimava dentro dela. ― Você irá pagar por tudo o que fez comigo!

⋯ ⁺ ZERO: UMBRELLA ACADEMY
✿⠀·  ☂️⠀.  carter dardenne, 2020

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